“A
PROPÓSITO” a grande polémica
sobre o Órgão do Mosteiro de Lorvão
[ Nova versão que foi publicada no Facebook em 23 de Março de 2014 ]
Quis eu mais uma vez debruçar-me sobre o que
se passa (e se passou) depois da minha saída do país em 1980, e quando essa
época foi aproveitada para toda a espécie de oportunismos.
Quero aqui referir especialmente à criação e
formação de “mestres organeiros” que nem tempo tiveram para a sua aprendizagem,
mas que se deram a conhecer como curiosos, habilidosos e autodidactas. Não sou
eu que o afirmo, mas eles próprios o disseram.
Numa época propícia para o desenvolvimento de
oportunidades para quem nunca trabalhou em certas profissões, neste caso em
organaria, construção, reparação, manutenção e restauro de Órgãos de tubos,
houve quem em poucos meses ou num par de anos, obtivessem esse pomposo título,
que em Portugal é muito apreciado: Mestre !
Sem conhecimentos básicos, nunca anteriormente
nesses instrumentos tendo trabalhado mesmo
até como aprendizes, sem qualquer escola na arte da organaria,
rapidamente e em tempo sem precedentes, num tempo recorde, aí estão eles.
Depois a sorte ou a ignorância de quem como eles tinham a mesma competência ou
conhecimentos, trataria do resto.
Contrariando aquela expressão de “passar de 8
a 80”, estes autodidactas por exemplo, que desde o nada se tornaram mestres,
passaram assim “de 0 a 100”! Como estes, também “consultores, conselheiros e
especialistas” em organaria, se desenvolveram rápida e activamente na prática
da mesma “arte”.
E assim se formaram “mestres e profissionais”
em Portugal!
A “escola do oportunismo” em Portugal,
ressurgiu mais sofisticada em relação àquela que já existia, no tempo em que os
órgãos a restaurar estavam integrados num departamento que fazia parte dos
Monumentos Nacionais, onde muitas “patifarias” haviam sido feitas com esses
instrumentos, aprovadas e pagas por esse departamento estatal.
Um mal já antigo, que não merece por agora ser
falado.
Nos anos 60, não havendo profissionais
organeiros com competência e credibilidade, a Fundação Gulbenkian afim de dar
prosseguimento a um projecto para restaurar os Órgãos de tubos Históricos em
Portugal, decidiu investir com uma bolsa de 5 anos no estrangeiro para formar
ou especializar alguém que já com prática e conhecimentos da arte, satisfizesse
os requisitos desejados.
Esse alguém apareceu, alguns restauros e
outros trabalhos de manutenção e afinação dos órgãos novos que através da
Fundação tinham sido adquiridos, assim como daqueles já restaurados, foram
feitos, mas as possibilidades cessaram em consequência duma política que veio a
ser adoptada em 1974, quando iriam já ser restaurados os primeiros dois órgãos
do Mosteiro de Mafra, imediatamente após o já restaurado órgão da Sé de Faro,
cuja montagem tinha terminado exactamente naquele mês de Abril.
Na Gulbenkian a pessoa responsável pelo
projecto foi saneada, e o organeiro obrigado a mudar de profissão para poder
sobreviver.
O projecto foi cancelado, os subsídios para o
efeito terminaram, e tudo o mais que se seguiu é já do conhecimento de muita
gente.
Vim então para Sydney, convidado e depois
contractado, por uma firma local de organaria que sabendo da minha situação em
Portugal e conhecedora da minha aptidão profissional, informação dada pelo
próprio Flentrop onde me havia especializado.
Não foi sem mágoa que deixei de pensar em
voltar a Portugal para lá aplicar conhecimentos e prática que entretanto tinha
acrescentado há já longa carreira de organeiro.
A situação de oportunismo continuava nesse meu
país, enraizado e proliferando cada vez mais,
e eu não
iria adaptar-me em partilhar com
“organeiros” que já estavam envolvidos em problemas, não só
provavelmente por questão de competência mas talvez por não saber “negociar”.
Vim para aqui como imigrado e posteriormente
me nacionalizei, sem que tenha ou tivesse traído as minhas origens, pois embora
naturalizado australiano nunca renunciei à terra em que nasci, sendo sempre
português, quer por convicção quer pela lei da dupla nacionalidade.
* * *
Uma vez que me encontro aposentado, ao fim de
60 anos de trabalho, agora com mais tempo disponível, vou tentando manter e
exercitar a minha memória, aproveitando as facilidades da Internet, o que me
leva por vezes a encontrar novidades com interesse de foro profissional.
Como resultado, vou tendo conhecimento de
notícias e comentários, por vezes nem sempre felizes ou agradáveis,
incompreensíveis, até na maneira como funcionam “certos negócios” na terra que
por “necessidade” tive de deixar.
Vou também relembrando alguns dos provérbios
populares como: “Não suba o sapateiro além da chinela”, ou ”Gaba-te cesto, que
vais à vindima”. Estes com pleno cabimento em alguns dos comentários
encontrados, feitos por quem se quer considerar em Portugal, profissional
idóneo na Genuína Arte do Restauro de Órgãos de tubos.
Vem a PROPÓSITO, o Órgão do Mosteiro do
Lorvão, caso que tenho acompanhado ocasionalmente, e que se encontra em vias de
ser inaugurado após um longo e conflituoso processo de restauro iniciado em
1995, por um dos mestres, que o terá desmontado para o seu previsto restauro,
mas que acabará por ser um outro a concluir ao fim de quase duas décadas!
Entretanto, pelo que me foi dado saber, esse
instrumento irá carecer da sua genuína originalidade, resultante até dos
“trabalhos porque que passou". Quanto a qualidade e tipo de restauro,
reservo também as minhas dúvidas.
Não direi que me surpreende, porque para mim
estas coisas, já pouco me podem surpreender, desde que envolvam entidades
estatuais ou governamentais, e dúvidas quanto às aptidões profissionais e
morais de quem num processo como este, possa estar envolvido.
Não é minha intenção de com isto vir a ferir
susceptibilidades de quem quer que seja que se possa sentir atingido, mas
apenas manifestar o meu interesse e conhecimentos em defesa da Qualidade e
Autenticidade dos Restauros nos ”indefesos” Órgãos Históricos, designadamente
em Portugal.
Manuel M. Saraiva da Costa
Sydney, 25 de Fevereiro de 2014
Interessante notícia com comentário, que tendo
chegada ao meu conhecimento, me proporcionou escrever esta crónica, se assim se
pode chamar.
http://www.asbeiras.pt/2014/02/orgao-do-mosteiro-do-lorvao-volta-a-tocar-na-primavera/