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Sydney, N.S.W., Australia
Aos 12 anos de idade comecei como aprendiz com meu pai, na construção, reparação e afinação de Harmónios. Reparação e afinação de Pianos e Órgãos de Tubos. [instrumentos musicais] Aos 16 anos trabalhava por conta própria. Com 22 anos tinha a Carteira Profissional na especialidade de Rádio e Electrónica, que me permitiu trabalhar nos acordeões e órgãos electrónicos, amplificadores de som, e acumulei ao meu trabalho nos instrumentos, a manutenção do controlo electrónico das novas máquinas instaladas na “FACAR”, em Leça da Palmeira, Matosinhos. Aos 27 anos fui para a Holanda com uma bolsa de estudo onde me aperfeiçoei na Construção, Manutenção, Afinação e Restauro dos Órgãos Antigos ou Históricos. Trabalhei como Organeiro na Gulbenkian em Lisboa, de 1970 a 1974, e como Encarregado da Orquestra Gulbenkian, de 1974 a 1980. Em 1980 emigrei para trabalhar no restauro do "Sydney Town Hall Grand Organ". Em 1990 como "Mestre Organeiro" foi-me entregue, a conservação, manutenção e afinação daquele prestigioso Órgão, no qual trabalhei 31 anos, até me aposentar em 2011. com 72 anos de idade. Ver mais no meu CURRÍCULO.

Friday, November 15, 2013

ÓRGÃO DO GRANDE AUDITÓRIO DA FUNDAÇÃO CALOUSTE GULBENKIAN EM LISBOA.

Um dos meus trabalhos durante a minha especialização na Holanda, foi a construção deste órgão, responsável por todo o sistema eléctrico e por mim criado um novo processo de movimentação da Pedaleira (teclado para os pés).



          O QUE SE ENTENDE POR UM ÓRGÃO DE TUBOS

Com referência ao órgão do Grande Auditório da Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa, que ajudei a construir e por mim ali foi instalado em 1969.

Um Órgão de Tubos, é um instrumento musical concebido para ser tocado em igrejas, salas de concertos, escolas ou residências, para uso público ou privado. Pode ser utilizado para solos, acompanhamento de vozes ou de outros instrumentos. Em Portugal alguns são datados desde os séculos XVI, e a sua origem data de muitos séculos anteriores. De forma alguma se poderá considerar ou comparar com “uma caixa cheia de tubos de metal ou de madeira”.
É um instrumento de teclado, um tanto complexo onde se encontram não só os tubos produtores do som, como outras grandes e pequenas peças de madeira e de metal, e alguns órgãos mais recentes, ainda com circuitos eléctricos. Sujeito a oxidação e a corrosão em partes metálicas, e sujeito a deterioração com o tempo e ambiente, a pele de procedência animal ou pele de carneiro; pelica, ou o que vulgarmente lhe chamam couro peliça, que é especialmente preparada para ser usada nos foles e noutras partes, e que são sensíveis ao meio demasiado húmido ou demasiado seco, e assim sujeitas à sua precoce decomposição.
A deterioração destas peles, oxidação e corrosão de metais poderá afectar severamente a funcionalidade e qualidade de um órgão de tubos, sendo as reparações a fazer para a sua substituição ou recuperação, bastantes dispendiosas.
Para evitar que estes instrumentos possam chegar a um mau estado de funcionamento e conservação, é necessária uma assistência especializada que não se resume somente à afinação, mas a ajustamentos mecânicos e por vezes de som, que deverá ser feita por um profissional organeiro, e não por qualquer curioso, sem que para o qual esteja competentemente habilitado. Infelizmente há quem se auto intitule de Mestre, e pior ainda, sejam assim reconhecidos por pessoas ou entidades incompetentes e ignorantes da arte da organaria.
Uma assistência inconsciente, feita irresponsavelmente por esses curiosos ou supostos profissionais, poderá causar males maiores e mais dispendiosos, arriscando a integridade do instrumento, e o seu carácter original sujeito a ser adulterado. O risco envolvido com uma limpeza que muitas das vezes seria desnecessária e portanto evitada, é sempre um factor a considerar. Sendo inevitável haver necessidade dessa limpeza, esta deverá unicamente ser efectuada por um profissional organeiro, ou por este dirigido. Não me quero referir apenas à afinação.
Cuidados para a sua preservação, devem ser tomados de forma a evitar ou minorar os riscos a que o instrumento possa estar sujeito, quando à sua volta possam haver trabalhos que o poderão arruinar. Será sempre mais conveniente, simples e menos dispendioso, evitar danos do que os remediar.

Vem a propósito o órgão no Grande Auditório da Gulbenkian em Lisboa, onde uma grande obra de beneficiação tem estado em curso, sem que esse instrumento tenha merecido os cuidados devidos, demonstrando a indiferença ou incompetência de quem deveria ser responsável pela sua eficiente protecção.
Pelo Facebook, no site da Fundação Calouste Gulbenkian, em 17 de Julho tomei conhecimento dessa obra que iria envolver, e de sobremaneira, o espaço onde se encontra instalado o órgão. Aproveitei a ocasião e fiz um comentário alertando para os cuidados a ter com o instrumento que estaria em risco de ser danificado, se não fossem tomadas providências para que devidamente fosse preservado. Esse “alerta” deve ter caído em saco roto!
Quando da minha passagem por Lisboa em Setembro, durante umas férias em Portugal, pedi a dois dos Serviços da Fundação se me poderia ser facilitada a visita ao local onde eu havia trabalhado, designadamente quando ali instalei o dito órgão. Por resposta foi-me dado a entender que não seria possível, alegando as obras em curso. Porém e através de outra via, tive a oportunidade de me ter sido dado acesso, que me permitiu presenciar o tratamento insólito a que o órgão estava a ser sujeito!
Encontrando-se no sob palco instalado num elevador, desprotegido e sujeito a toda a espécie de maus-tratos, como poeiras, excesso de humidade ou falta dela e não só, foi deixado à sua sorte para depois ser submetido a uma “limpeza geral”, como foi dito, sem terem a noção dos riscos que essa intervenção poderá representar para tão complexo e sensível instrumento.
Não conformado com o que vi, o órgão abandonado no meio daquelas obras, procurei saber quem seria o responsável, que neste caso classifico de irresponsável, que deveria estar encarregado de zelar pela preservação “dos bens alheios”. Neste caso, propriedade da Fundação, e em quem esta deveria ter confiado. Dirigi-me por e-mail à pessoa que se tinha dado por responsável daquela situação dando-lhe conhecimento da incúria cometida, advertindo-o também que já poderia ser muito tarde para remediar o mal consumado.

O que me foi respondido: "…foram, entretanto, com o apoio do mestre organeiro a quem habitualmente recorremos, melhorados alguns pormenores na sua preservação nesta fase de obra." 

Caso para dizer: “depois de casa roubada, trancas na porta”! A obra que há meses começara, e a fase referida encontrando-se a cerca de 2 a 3 meses da sua conclusão, segundo o que estaria previsto. Seria interessante saber se na realidade foi o “mestre organeiro” incumbido ou consultado para zelar pela preservação do instrumento, ou simplesmente por decisão de quem deverá responder por tão inconcebível negligência.
Quando um destes instrumentos estiver comprometido por um ambiente de obras com excesso de pó e sem controlo climático por algum tempo, semanas ou meses, deverá ter-se em conta a sua protecção, e para isso o envolvimento de um organeiro que tomará a responsabilidade pelos cuidados a ter com o seu isolamento, pressurização e climatização, para evitar a entrada de pó e controlar o excesso de humidade ou falta dela. Caso estes cuidados não sejam considerados, será um atentado à integridade e preservação desse instrumento, pela entidade ou pessoa que dessa obra estiver incumbida.
A dignidade e honestidade dum profissional organeiro, estará à prova quando este aceitar condições apenas por interesse pessoal e não profissional. Quero com isto dizer, que um organeiro que se digne e respeita a sua ética profissional, que seja a pessoa que tem tido a seu cuidado um órgão pelo qual é responsável, deve impor as suas condições e conselhos, no interesse da salvaguarda e integridade do que lhe é confiado, ou então renunciar a esse encargo.
Não é com uma posterior limpeza, que tal situação deve ser remediada, mas evitando que se chegue a esse ponto. Limpezas do interior dum órgão de tubos, tem riscos que poderão afectar a qualidade original do instrumento. Tal como numa pintura, deverão ser respeitadas as características originais do seu autor.
Este é o meu parecer ou ponto de vista, resultado da experiência e prática de muitos anos de trabalho como organeiro na Europa e na Austrália, antes e depois da minha especialização na Holanda, de 1966 a 1970, deixando de exercer essa actividade por renúncia e aposentação em 2011, com 72 anos de idade.
Digo renúncia, exactamente por não terem sido respeitadas as condições por mim impostas para a preservação e integridade do Grande Órgão do Town Hall de Sydney, onde trabalhei por 31 anos, 21 dos quais fui seu único e responsável conservador. Esse magnífico órgão estará a sofrer as consequências, devido a interesses pessoais e menos honestos, contrários à minha consciência e ética profissional.


Manuel M. Saraiva da Costa
De Sydney, a 19 de Outubro de 2013