Um dos meus trabalhos durante a minha especialização na Holanda, foi a construção deste órgão, responsável por todo o sistema eléctrico e por mim criado um novo processo de movimentação da Pedaleira (teclado para os pés).
O QUE SE ENTENDE POR UM ÓRGÃO DE TUBOS
Com referência ao órgão do Grande Auditório da Fundação
Calouste Gulbenkian, em Lisboa, que ajudei a construir e por mim ali foi instalado em 1969.
Um Órgão de Tubos, é um instrumento musical concebido
para ser tocado em igrejas, salas de concertos, escolas ou residências, para
uso público ou privado. Pode ser utilizado para solos, acompanhamento de vozes
ou de outros instrumentos. Em Portugal alguns são datados desde os séculos XVI,
e a sua origem data de muitos séculos anteriores. De forma alguma se poderá
considerar ou comparar com “uma caixa cheia de tubos de metal ou de madeira”.
É um instrumento de teclado, um tanto complexo onde se
encontram não só os tubos produtores do som, como outras grandes e pequenas
peças de madeira e de metal, e alguns órgãos mais recentes, ainda com circuitos
eléctricos. Sujeito a oxidação e a corrosão em partes metálicas, e sujeito a
deterioração com o tempo e ambiente, a pele de procedência animal ou pele
de carneiro; pelica, ou o que vulgarmente lhe chamam couro peliça, que é especialmente
preparada para ser usada nos foles e noutras partes, e que são sensíveis ao
meio demasiado húmido ou demasiado seco, e assim sujeitas à sua precoce
decomposição.
A deterioração destas peles, oxidação e corrosão de
metais poderá afectar severamente a funcionalidade e qualidade de um órgão de
tubos, sendo as reparações a fazer para a sua substituição ou recuperação,
bastantes dispendiosas.
Para evitar que estes instrumentos possam chegar a um mau
estado de funcionamento e conservação, é necessária uma assistência
especializada que não se resume somente à afinação, mas a ajustamentos
mecânicos e por vezes de som, que deverá ser feita por um profissional
organeiro, e não por qualquer curioso, sem que para o qual esteja competentemente
habilitado. Infelizmente há quem se auto intitule de Mestre, e pior ainda,
sejam assim reconhecidos por pessoas ou entidades incompetentes e ignorantes da
arte da organaria.
Uma assistência inconsciente, feita irresponsavelmente
por esses curiosos ou supostos profissionais, poderá causar males maiores e
mais dispendiosos, arriscando a integridade do instrumento, e o seu carácter
original sujeito a ser adulterado. O risco envolvido com uma limpeza que muitas
das vezes seria desnecessária e portanto evitada, é sempre um factor a considerar.
Sendo inevitável haver necessidade dessa limpeza, esta deverá unicamente ser
efectuada por um profissional organeiro, ou por este dirigido. Não me quero
referir apenas à afinação.
Cuidados para a sua preservação, devem ser tomados de
forma a evitar ou minorar os riscos a que o instrumento possa estar sujeito,
quando à sua volta possam haver trabalhos que o poderão arruinar. Será sempre
mais conveniente, simples e menos dispendioso, evitar danos do que os remediar.
Vem a propósito o órgão no Grande Auditório da Gulbenkian
em Lisboa, onde uma grande obra de beneficiação tem estado em curso, sem que
esse instrumento tenha merecido os cuidados devidos, demonstrando a indiferença
ou incompetência de quem deveria ser responsável pela sua eficiente protecção.
Pelo Facebook, no site da Fundação Calouste Gulbenkian,
em 17 de Julho tomei conhecimento dessa obra que iria envolver, e de
sobremaneira, o espaço onde se encontra instalado o órgão. Aproveitei a ocasião
e fiz um comentário alertando para os cuidados a ter com o instrumento que
estaria em risco de ser danificado, se não fossem tomadas providências para que
devidamente fosse preservado. Esse “alerta” deve ter caído em saco roto!
Quando da minha passagem por Lisboa em Setembro, durante
umas férias em Portugal, pedi a dois dos Serviços da Fundação se me poderia ser
facilitada a visita ao local onde eu havia trabalhado, designadamente quando
ali instalei o dito órgão. Por resposta foi-me dado a entender que não seria
possível, alegando as obras em curso. Porém e através de outra via, tive a
oportunidade de me ter sido dado acesso, que me permitiu presenciar o
tratamento insólito a que o órgão estava a ser sujeito!
Encontrando-se no sob palco instalado num elevador,
desprotegido e sujeito a toda a espécie de maus-tratos, como poeiras, excesso
de humidade ou falta dela e não só, foi deixado à sua sorte para depois ser
submetido a uma “limpeza geral”, como foi dito, sem terem a noção dos riscos
que essa intervenção poderá representar para tão complexo e sensível instrumento.
Não conformado com o que vi, o órgão abandonado no meio
daquelas obras, procurei saber quem seria o responsável, que neste caso
classifico de irresponsável, que deveria estar encarregado de zelar pela
preservação “dos bens alheios”. Neste caso, propriedade da Fundação, e em quem
esta deveria ter confiado. Dirigi-me por e-mail à pessoa que se tinha dado por
responsável daquela situação dando-lhe conhecimento da incúria cometida,
advertindo-o também que já poderia ser muito tarde para remediar o mal consumado.
O que me foi respondido: "…foram,
entretanto, com o apoio do mestre organeiro a quem habitualmente
recorremos, melhorados alguns pormenores na sua preservação nesta fase de obra."
Caso para dizer: “depois de casa roubada, trancas na
porta”! A obra que há meses começara, e a fase referida encontrando-se a cerca
de 2 a 3 meses da sua conclusão, segundo o que estaria previsto. Seria interessante
saber se na realidade foi o “mestre organeiro” incumbido ou consultado para
zelar pela preservação do instrumento, ou simplesmente por decisão de quem
deverá responder por tão inconcebível negligência.
Quando um destes instrumentos estiver comprometido por um
ambiente de obras com excesso de pó e sem controlo climático por algum tempo,
semanas ou meses, deverá ter-se em conta a sua protecção, e para isso o
envolvimento de um organeiro que tomará a responsabilidade pelos cuidados a ter
com o seu isolamento, pressurização e climatização, para evitar a entrada de pó
e controlar o excesso de humidade ou falta dela. Caso estes cuidados não sejam
considerados, será um atentado à integridade e preservação desse instrumento,
pela entidade ou pessoa que dessa obra estiver incumbida.
A dignidade e honestidade dum profissional organeiro,
estará à prova quando este aceitar condições apenas por interesse pessoal e não
profissional. Quero com isto dizer, que um organeiro que se digne e respeita a
sua ética profissional, que seja a pessoa que tem tido a seu cuidado um órgão
pelo qual é responsável, deve impor as suas condições e conselhos, no interesse
da salvaguarda e integridade do que lhe é confiado, ou então renunciar a esse
encargo.
Não é com uma posterior limpeza, que tal situação deve
ser remediada, mas evitando que se chegue a esse ponto. Limpezas do interior dum
órgão de tubos, tem riscos que poderão afectar a qualidade original do
instrumento. Tal como numa pintura, deverão ser respeitadas as características
originais do seu autor.
Este é o meu parecer ou ponto de vista, resultado da
experiência e prática de muitos anos de trabalho como organeiro na Europa e na
Austrália, antes e depois da minha especialização na Holanda, de 1966 a 1970,
deixando de exercer essa actividade por renúncia e aposentação em 2011, com 72
anos de idade.
Digo renúncia, exactamente por não terem sido respeitadas
as condições por mim impostas para a preservação e integridade do Grande Órgão
do Town Hall de Sydney, onde trabalhei por 31 anos, 21 dos quais fui seu único
e responsável conservador. Esse magnífico órgão estará a sofrer as consequências,
devido a interesses pessoais e menos honestos, contrários à minha consciência e
ética profissional.
Manuel M. Saraiva da Costa
De Sydney, a 19 de Outubro de 2013